Universidade Livre Fora do Eixo

Formação livre e em fluxo

_Contexto

 

A Universidade Livre Fora do Eixo surgiu no final de 2009 a partir da demanda da própria rede em apresentar respostas no campo da formação. Na época, a grande maioria dos integrantes do Fora do Eixo enfrentavam um cenário muito parecido: a falta de oferta de cursos no campo da cultura, o desestímulo pela dinâmica e ambiente de formação formal das universidades, o cenário cultural em crise e em busca de novas alternativas de viabilidade. Dentro desse contexto, era muito comum o abandono dos estudos (formais) por parte dos integrantes do Fora do Eixo, estimulados pela possibilidade de construir seu próprio conhecimento no ambiente da rede, a partir de trocas de experiências e do fazer do dia a dia.

 

Passamos então a radicalizar ainda mais na sistematização e compartilhamento dos nossos processos de rede, transformando-os em tecnologias sociais que foram replicadas, adaptadas e testadas pelos diversos coletivos em seus distintos contextos. A partir daí, surgiram metodologias de formação livre pautadas em laboratórios de vivência, coletivos, colaborativos e compartilhados de distintas experiências, que hoje compõem nossa Universidade.

 

A compreensão é que a constante e veloz sistematização e compartilhamento dos processos gerados e vivenciados por cada coletivo Fora do Eixo faz com que a própria rede se torne um grande ambiente de aprendizagem com um amplo potencial de transformação, atualização e nivelamento de informações, dinâmicas e saberes.

Cinco pontos bastante importantes precisam ser salientados para que se entenda a natureza das tecnologias e metodologias Fora do Eixo:

1) O Fora do Eixo é a soma de pequenos coletivos de cultura autoral, em sua grande maioria, de cidades situadas no interior do Brasil.

2) O Fora do Eixo além de ser uma rede, é uma rede de coletivos, ou seja, suas dinâmicas de rede surgem a partir de laboratórios e práticas coletivas.

3) Os coletivos que fazem parte do Fora do Eixo possuem um alto nível de “sevirologia” e persistência.

4) O ambiente de rede do Fora do Eixo é caracterizado pelo diálogo intenso e constante entre os coletivos.

5) O Fora do Eixo faz uso orgânico da Cultura Digital, ou seja, incorpora culturalmente as tecnologias digitais como importantes ferramentas de uso diário para qualquer atividade da rede.

 

“Cultura digital é um conceito novo. Parte da idéia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos.” – Gilberto Gil

 

Essas características criaram um terreno favorável para o rápido desenvolvimento de uma rede nivelada, ágil, horizontal, orgânica e em constante transformação. Nos primeiros anos de rede era muito claro o aspecto de um Circuito Cultural do Fora do Eixo, bem como seus desafios: como realizar uma turnê? como montar sua banquinha? como distribuir seu cd? como divulgar seu evento? fazer uma cobertura fotográfica? transmissão ao vivo? como viver de cultura?

 

Essas perguntas são questões que a própria indústria cultural poderia responder, porém a grande diferença que o Fora do Eixo traz são respostas elaboradas a partir de tecnologias desenvolvidas em seu ambiente de rede, ou seja, são soluções colaborativas, compartilhadas, solidárias e coletivas. Não é por acaso que hoje a maior parte dos coletivos Fora do Eixo vivem em sedes-moradias, possuem moeda social, são ponto de hospedagem solidária e seu modelo de gestão de recursos é o caixa coletivo.

 

Na medida que a rede foi crescendo, não só em número de coletivos, mas também em sua diversidade, outros desafios foram surgindo e se aprofundando: como pautar e estimular uma rede de economia colaborativa e solidária? como montar sua moeda complementar? como viver em coletivo, montar uma sede? como desmonetarizar relações intrinsecamente pautadas pelo capital e pelo mundo dos negócios? como construir um pensamento de rede nas grandes e pequenas cidades? como fazer essas disputas no nosso próprio território? de que espaços, fóruns, conselhos, universidades dispomos para essas disputas? afinal, que cidade queremos? que democracia é essa? que educação é essa? qual narrativa de mundo queremos contar?

 

E assim, o Fora do Eixo aos poucos foi se tornando também um movimento que disputa a sociedade e que apresenta uma série de propostas concretas de modo de vida e comportamento. O que faz com que a UniFdE não seja apenas uma universidade da cultura. Ela é, principalmente, uma universidade da cultura coletiva e em rede.

 

Todas as metodologias da UniFdE compreendem que qualquer espaço é um ambiente cognitivo e formativo, ou seja, transformamos as Casas, Coletivos, Festivais e as ruas das cidades em campus de aprendizagem. Não há grade curricular fixa, os participantes tornam-se viventes que criam seu próprio percurso de formação de acordo com seu estímulo e vontade. Além disso, todos os ambientes são coletivos articulados em rede, apostando na formação colaborativa de múltiplas referências e p2p.

 

Ao contrário da lógica das escolas e universidades formais, os percursos de formação da UniFdE são infinitos e duram enquanto houver interesse pelo vivente. A compreensão é de que sempre, em todos os casos e em qualquer circunstância, há algo para aprender. As pessoas quando pensam em formação, sempre pensam em algo com início, meio e fim. No senso comum, compreendemos que quando uma pessoa finaliza a universidade,  ela muda de ciclo: começa “a vida real”, a “vida adulta”, em que não somos mais “crianças”. A partir daí, qualquer coisa que remeta à escola/universidade, como fazer perguntas, estudar e ter novas ideias, passam a ser desnecessárias, ou seja, é criada a perigosa e equivocada ilusão de que estamos formados e logo, não há mais tanta coisa para aprender.

 

Outra ilusão igualmente perigosa e limitante que as escolas e universidades “ensinam” é a ideia que há apenas uma pequena gama de possibilidades de modo de vida, ou seja, para ser uma pessoa bem sucedida existe apenas um caminho: escola → universidade → trabalho → casamento → filhos → envelhecimento → morte. E assim somos formatados a acreditar que qualquer trajetória que fuja desta rota é uma loucura e tem grande potencial de não dar certo. Isso porque a instituição Universidade foi criada nos moldes fabris e dessa maneira forma pessoas para uma sociedade também fabril. Tal fato se agrava ainda mais, ao constatarmos que essa instituição acumula o título de detentora do conhecimento de nossa sociedade, cujo papel é certificar quais são as pessoas habilitadas a exercer uma lista limitada de profissões que já não respondem às demandas atuais. Num contexto como o que vivemos hoje, em que a toda a sociedade se tornou formativa e que a criação, produção e difusão possuem forte dinâmica colaborativa, faz-se urgente repensarmos a lógica ensino, aprendizagem e certificação.

 

Frente a esses desafios, a UniFdE vem há 3 anos promovendo atividades de formação livre por todo país, encarando como objetivo a sistematização de um novo modo de aprendizagem. Além de mapear e fazer circular todos os conhecimentos gerados pelos diversos coletivos culturais, a UniFdE estimulou uma dinâmica de formação permanente e em fluxo. Foi assim que em setembro de 2012 recebemos do Governo de Cabo Verde, o reconhecimento da Universidade Livre Fora do Eixo como Instituição Cultural Científica e Pedagógica validando as suas formações, graduações, títulos e outras transferências de conhecimento como qualificação técnica e científica para a área cultural.

 

Mais do que um reconhecimento formal foi a vitória simbólica do fato que comemoramos. E quantas mais metodologias e saberes ainda faltam ser reconhecidas? Existem inúmeras. São povos de terreiro, saberes ancestrais, griôs, conhecimento hacker, urbano, das periferias, rural, comunitário…..! Conhecer apenas o conteúdo que está sendo passado nas escolas e universidades hoje é ínfimo perto da imensidão de saberes que não são valorizados.

 

É nessa sintonia que a UniFdE é construída, entendendo que não precisamos de mais uma Universidade detentora do conhecimento que forme para a vida, e sim compreendermos cada vez mais que a “universidade é a própria vida e se confunde com ela” – Ivana Bentes.

Um comentário sobre “Universidade Livre Fora do Eixo

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